quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Luís, 63 anos.




Deu entrada acompanhado pela filha. Tem um cancro no pâncreas, em fase terminal, entra na Unidade de cuidados Paliativos para controlo de sintomas (nomeadamente a dor). Perdeu a esposa nesta mesma unidade, 7 anos antes.

Cristina, a filha, ainda não lhe consegue tocar, ainda treme depois de tantos anos de violência doméstica sofrida.
A mãe perdoou-o no fim de vida, numa sessão com a família, em acompanhamento com a assistente social e a psicóloga da Unidade. Todos choraram. O homem, que hoje ali se encontra, pediu-lhe desculpas pelas bofetadas e murros, pelas noites que passou amarrada a uma árvore em completo sofrimento, pela fome, pelos constantes insultos, pelas noites que bêbado a violou e outras tantas que não se lembra. Ela abriu os olhos e nesse momento derramou uma lágrima, conseguindo dar-lhe a mão antes de morrer. Foi um momento emotivo, era o que ela esperava toda a vida ouvir e, assim, partiu tranquila.

Ele não melhorou depois disso, os filhos seguiam-no com o sentimento de dever, tinham-lhe medo e não respeito nem admiração. Esta filha, chora por após esses anos o pai ter o mesmo destino, porque ele é recebido e cuidado por uma equipa, que ela sabe ter boas referências e em quem confia. No entanto, ela não considera que seja justo, debate-te com este dilema ético.

Ele devia ter uma morte dolorosa, tendo em conta o sofrimento que provocou nos outros (diz ela, com raiva).

Depois da morte da mãe ele esteve preso, porque acabou com a vida de outra pessoa, mas não houve provas, libertaram-no. Ela sente-se confusa, por um lado, quer o melhor para ele, mas por outro, este homem só existiu para lhe estragar a vida.

Numa sessão com a psicóloga:

-Sabe eu sinto-me mal com isto. A minha mãe era tão boa pessoa, ela sim mereceu os melhores cuidados. Vocês vão trata-lo bem?

-Iremos trata-lo como qualquer outro utente. Ninguém está aqui para o julgar. Aqui dentro é uma pessoa que necessita de cuidados médicos e de enfermagem, terá reabilitação e será proporcionada a maior qualidade de cuidados possível.

-Acho que o pior castigo que ele pode ter é receber amor. Ele não sabe o que isso é, nunca soube.

Morreu naquela unidade, rodeado de cuidados e atenções. No dia em que transmitiram a notícia do seu falecimento a filha chorou de alegria, sentiu um alívio imenso, finalmente ia viver a sua vida sem medo. Abraçou a enfermeira e disse:

-Obrigada por me tirarem este peso, ficar-vos-ei eternamente grata. Fizeram um papel que eu sentia ser meu, mas não tinha capacidade... deram-lhe amor, mesmo ele não o merecendo... e sei que partiu em paz. O resto é com Deus…

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