A importância que damos às coisas depende não só do nosso estado de espírito, como também do estado de dependência. Nunca se dá valor ao gesto de coçar o nariz, como quando não se pode mover as mãos. Por vezes desvalorizamos pequenos comportamentos e valores, concentrados nas nossas actividades e tarefas. O tempo e o valor que atribuímos às ações são subjetivos da nossa capacidade. Imaginar que se tenha que defender dignidade em fim de vida, passa muitas vezes, por pintar as unhas a alguém que sempre o fez e agora não consegue. Passa por perguntar se querem apanhar o cabelo, ou tê-lo curto. Pequenos nadas, que para quem, mais nada tem... são tudo. Passamos uma vida a ser identificados pelo cargo social que atingimos, pela profissão e estatuto... E ali, numa cama de internamento, não passamos de mais um número no processo, de mais alguém com pijama todo o dia, ou vestida ao gosto (ou falta dele) de alguém, que, se tivermos sorte vem com tempo.
O meu papel muitas vezes é consciencializar para estas atitudes. Não concordo com a necessidade de sermos frios e distantes, tal como defendiam os entendidos há uns anos atrás, trabalho com pessoas e para as pessoas, não posso de modo algum esquecer o ser humano que existe. Como dizia Cicely Saunders "tu importas porque és tu até ao fim". O facto de ter, perante mim, alguém com aquela junção única de personalidade, irreverência, educação, história, experiências... é uma oportunidade única e cada pessoa é única e merece ser olhada e respeitada com essa personalização. Não desumanizem os cuidados, nem desprezem os afectos, porque no final... são a única coisa que nos resta.
Sem comentários:
Enviar um comentário