No quarto individual, da ala de medicina B, num fim de tarde.
A partir desta imagem, diga-me o que vê, que lhe apetece que escreva?
-pode ser uma carta? (pergunta ela)
-sim, o que quiser, pode ditar que eu escrevo (responde a psicóloga).
Olho esta imagem e penso em nós, sempre pensei que iríamos terminar os nossos dias juntos, sempre pensei que este fosse o nosso destino. Errei em por à prova o nosso amor, em testá-lo ao limite de o cansar. E tu partiste... Parti também para outros braços que me prometiam fugazes momentos e preenchimento temporário das minhas necessidades, dos meus objetivos. Não percebi que o temporário fosse tão pouco, não percebi que te ia perder definitivamente. E aos meses juntaram-se anos e sei hoje que este não é o meu fim. Não és tu quem me acompanha na vida, nem na morte. Tu não és mais que uma réstia de memória, que um dia se perderá. Quero que saibas que sempre nos imaginei assim. Tu e eu velhinhos com as nossas discussões filosóficas, tu mais prático, eu mais teórica, sempre nos completámos. Sempre fomos loucos um pelo corpo do outro, sei que contigo poderia contar em cada ruga dos nossos corpos, a história da nossa felicidade... hoje és apenas um futuro sonhado. Um arrependimento que me mata a cada dia, desculpa a burrice de te ter perdido, mas desculpa ainda mais por, sabendo disso, não ter lutado para te ter, nem que fosse uma vez mais... nem que fosse por um abraço... respeitámos os compromissos um do outro, a distância, a moralidade. Menti-me a mim, impedi-me de ser feliz contigo, substitui-te por pequenos prazeres e dores imensas. Fui tão burra, que pena a minha, faltou-me a coragem, aumentaram os motivos que nos separavam, em vez de nos unirem, e, a cada novo dia fui perdendo-te mais. Já não há nós, conscientemente acabou. Mas nos sonhos... é assim que imagino um fim para nós.
-quer que a dedique a alguém? (pergunta a psicóloga)
-não menina, fica para si. Espero que tenha alguém com quem terminar os seus dias.
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