segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Gestão humanitária

Terminada a visita somos recebidos pelo administrador Shaun O'Leavy. Ele fala sobre o futuro e de como se gere uma fundação desta forma, vivendo de donativos e receitas externas, o que é instável e incerto. Fala das dificuldades inerentes a qualquer instituição e dos recursos humanos.
Neste ponto diz que o segredo do sucesso está num ponto fulcral: O recrutamento.

Todos nós esperamos que vá falar das competências técnicas e certificadas, das formações, da necessidade de um recrutamento rigoroso e criterioso... ele diz simplesmente:

-Quando Cicely começou a recrutar exigiu um requisito- que a pessoa seja gentil (to be kind). Porque tudo o resto se aprende, pode-se dar formação e Cicely fez questão de as formar e estar com elas. Mas um coração gentil não se imita, nem se ensina. O segredo do nosso sucesso são as pessoas que temos a trabalhar connosco.  

Visita ao St Christopher- Piso 1

Somos convidados a subir ao internamento, na entrada encontra-se uma porta de vidro com código e do lado esquerdo cacifos com nomes de pessoas. A enfermeira explica que são como se fossem caixas de correio, onde se podem deixar mensagens, objectos, encomendas de pedidos. Para evitar que estranhos entrem nos quartos (encomendas) ou para resguardar a privacidade do utente. Segundo ela é muito comum enviarem entregas e cartas, o próprio utente pode colocar lá o que pretende enviar que será enviado e garante maior confidencialidade, estando uma pessoa encarregue dessa função.
Os quartos são individuais e com casa de banho, fomos visitar um que se encontrava vazio.


Todos possuem um cadeirão para que o familiar possa repousar, um quadro para serem colocadas imagens, fotografias, textos, cartas, enfim, o que pretenderem. E todos dispõem de relógio para permitir uma orientação temporal.


Têm uma janela grande e cortinas com padrão de flores. Lavatório para as mãos e caixote de lixo com pedal e tampa. Rampa de O2, Ar e Vácuo na cabeceira, tomadas, candeeiro e um monitor.



As camas são articuladas e com colchão de pressão alternada e anti-escaras. As casas de banho têm espaço de duche, com cadeira higiénica, proteções anti-derrapantes e a sanita.



Em termos de organização não variam muito das nossas estruturas nacionais, sendo que a ideia de prestação de cuidados clínicos e de âmbito hospitalar se associam ao lado mais humano e intimo de garantir a dignidade até ao fim da vida, permitindo que o utente partilhe com os familiares a pessoa que é, até morrer.



Visita ao St Christopher- Piso térreo

A visita inicia na parte exterior, de frente para o edifício, somos convidados a apreciar a arquitectura e principalmente as janelas enormes. O símbolo que foi criado para logótipo que representa "o servir e o carregar o outro até ao fim".



Esta visita é realizada por uma enfermeira que também lá trabalha há mais de 20 anos e apresenta a visão dos doentes e as necessidades dos familiares. Explica que a fundação é aberta à comunidade local, que as pessoas são convidadas a vir e estar nos espaços de convívio. Recentemente havia um senhor que todos os dias lá ia almoçar e ela pensando que era utente meteu conversa com ele, até que percebeu que era um vizinho, que por passar dificuldades económicas todos os dias lá ia almoçar e nunca lhe tinham perguntado nada nem negado a refeição.


Existe um espaço de meditação, sem rotular nenhum tipo de religião, um local de silêncio, onde se podem colocar velas, incenso, escrever dedicatórias num livro próprio. Como defendia Cicely, o modelo de dor total tem em conta os aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais, numa visão holística do ser humano.


Na entrada é-nos pedido que não se façam imagens onde os utentes apareçam, por respeito da confidencialidade e privacidade do próprio. Na recepção o ambiente é colorido, existem fotografias de pessoas que sorriem e transmitem alegria e positividade. A enfermeira diz-nos que são os rostos de quem lá esteve e que já todos faleceram. Somos confrontados com idades muito jovens e com uma felicidade que choca, mas ao mesmo tempo apazigua, é uma mistura de sentimentos incrível. O organograma está representado na parede também com as fotografias dos colaboradores, neste ponto associamos os rostos a um nome e parece que nos dá um sentimento de integração espontânea. Existem muitos panfletos para consulta e à disponibilidade dos visitantes, com informações diversas, desde a saúde, informações mais direccionadas pelas áreas técnicas, até coisas mais gerais (todos eles se encontram online também para partilha).



Na sala de estar, num espaço com algumas mesas, cadeiras e café disponível temos uma vista para um jardim interior, com umas janelas amplas e onde entra muita luminosidade. Ouve-se um ladrar e apercebemo-nos que está a decorrer uma sessão de terapia com animais. Todos os dias são visitados por voluntários de uma instituição parceira que traz animais para estarem um pouco junto dos utentes que assim o desejem, seja para fazer festinhas, colocar no colo, ou simplesmente ver a brincar e interagir.



Passamos por um corredor com pinturas nas paredes desde o tecto ao chão, com trabalhos manuais realizados pelos utentes. São imagens que nos prendem pela força nas palavras que transmitem, pela dureza das cores e das sobreposições de imagens. É arte no seu estado mais puro... é humanidade que brota das paredes, como se nos prendessem nesse mundo de dor, sofrimento, alegria, esperança e alívio. Estas são as palavras mais escritas. Esta foi uma frase que me marcou.



Continuando no corredor vamos ter ao ginásio e encontram-se três utentes no seu interior com um fisioterapeuta. O plano inclinado está elevado de frente para uma janela com vista para a entrada do edifício e de costas para nós. Sabemos que se encontra lá alguém, mas essa pessoa pede para não ser incomodada. Está uma jovem, com aparência de vinte e poucos anos a fazer pedaleira, sentada numa cadeira de rodas, também não quer conversar, está com semblante triste e olha-nos com estranheza, talvez pensando quem seremos e porque ali fomos. Há uma senhora que pede para dar umas palavras ao grupo, ela sofre de E.L.A., apresenta-se e diz ter 60 anos e uma doença que não tem cura, que faz fisioterapia para dar vida aos seus dias e luta à doença. Tem um tubo que vai do nariz a uma máquina e que a obriga a respirar, diz que lhe chama de tromba e que o envelhecimento a transformou num elefante. Todos nos rimos e ela agradece a nossa visita, diz que num dia daqueles (estava sol, o que é raro em Londres) em vez de irmos ao big ben, fomos vê-la a ela. Se sente grata por ter tantas visitas. Acrescenta que não teve hipótese de mudar o mundo mas que pretende mudar a nossa vida e que a sua vida tenha contribuído para isso. Pediu que a recordemos sempre e que façamos exercício físico, pois essa é a melhor receita para viver melhor. - Obrigada Margareth -



No piso térreo existe um jardim contornado pelo edifício. Os sons que se escutam é da água que corre, numa cascata de pedras, os passarinhos e uma paz imensa. Ao longo do jardim existem bancos de madeira que convidam a sentar, a reflectir e a orar.  Existe um caminho que segue desde uma das portas do edifício e circula todo o jardim permitindo que as camas sejam trazida ao exterior e façam este passeio.


Neste trajecto cruzamo-nos com Pégaso, o cavalo da mitologia que representa a imortalidade. Foi um trabalho manual realizado pelos utentes e que esteve presente em inúmeros eventos, exposições e foi galardoado com um prémio.



Ainda neste espaço, existe um atelier de pintura e trabalhos manuais, um espaço que permite aos utentes criar e materializar, através da arte (seja ela pintura, colagens, escultura, desenho, etc.) o seu estado e modo de sentir. Um aspecto diferenciador é que permite também aos familiares estas expressões, quer como forma de aceitar a partida, mas também a importância do imortalizar e deixar testemunho de uma vivência e dessa passagem. 
A propósito desta necessidade, tão humana, tão nossa de nos permanecermos, eles têm uma iniciativa, enquanto fundação, que é a sua maior fonte de rendimentos. Que é a possibilidade de deixar uma folha na árvore St Christopher, uma dedicatória.


As folhas são em cobre e gravadas com a mensagem e os nomes das pessoas serem lembradas. Uma memória para o futuro. Custa cada uma 1000 libras e permitem que os cuidados prestados sejam de carácter gratuito para TODOS os utentes, quer sejam os internamentos, aos apoios em domicilio, as avaliações, os cuidados de luto. Esta fundação gere receitas de donativos e, de uma forma, pensada e organizada, criou 18 lojas que divulgam e auxiliam a vender produtos doados, assim como uma equipa fantástica em marketing, divulgação por internet e redes sociais.

"Quero ser uma janela da Casa que vai criar, porque eu conheço o que vai no seu pensamento e no seu coração" (Frase de David Tasma, o amigo polaco de Cicely, que lhe deixou de herança o primeiro donativo para este projecto. 



St Christopher

No dia 01 de Dezembro de 2017, tive o privilégio de visitar o St' Christopher Hospice, em Londres.


Hospice fundado através de angariação de fundos pela incrível Cicely Saunders, somos recebidos pela Dra Mary Baines, colega do curso de medicina de Cicely e amiga pessoal "com a ligeira diferença de 10 anos de idade" como nos referiu. Ela começa logo durante o café a sua introdução, ainda não tinha chegado o grupo todo e ela já perguntava coisas sobre nós.


De uma graça natural e com humor apurado fazia questões como se fosse ela a interessada em nós. Ia perguntando o que nos levou lá, como imaginávamos  a medicina há 50 anos atrás (o Hospice abriu em 1967 ela está lá desde o inicio) sobre os cuidados paliativos nos nossos Países (estava representado Portugal, Itália e China), sobre os nossos sonhos e principalmente sobre o que iríamos fazer com a informação que tínhamos. Disse que não se pretende criar cópias nem abrir um franchising da marca, que o St' Christopher fez sentido ali e com aquela visão, mas Portugal, Itália e China certamente terão outra forma de encarar a morte e de ajudar do modo que culturalmente faça mais sentido. Todas as outras pessoas trabalhavam noutros hospices do Reino Unido e pretendiam "beber da fonte", no fundo perceber as razões do seu sucesso e a visão da fundadora.
O programa da visita está bem elaborado, fala do passado, introduz a biografia de Cicely e explica contextualmente o que levou a quê. Depois somos convidados a "viver" a rotina diária dos utentes, assim como as dinâmicas e organizações das equipas domiciliárias. No final, somos recebidos pelo administrador que nos recebe com humildade e com vontade de inovar e aprender connosco, falando do futuro e convidando-nos a regressar.


Foi uma visita que me encheu o coração, fui confrontada com uma realidade que para mim, infelizmente, ainda é utópica. Saber como tudo foi criado faz-nos acreditar que os sonhos se realizam e ver que existem pessoas com o mesmo ideal valoriza e certifica esta forma de pensar.