Mulher, mãe de 2 filhos e casada. Residiu toda a vida numa área urbana, no centro da cidade. Doméstica como ocupação. Admitida há 2 meses, sem visitas (alegando a distância). Doente oncológica com metástases e em tratamento paliativo.
-Não me transfiram, gosto de aqui estar... (diz ela numa sessão)
-Mas na admissão referiu que gostaria de ficar numa zona perto da família. Se cancelarmos o pedido depois não poderá voltar a fazer outro (refere a assistente social).
-Eu sei e por isso mesmo quero ficar. Finalmente tenho tempo para mim, finalmente deixei de viver para eles, ser escrava dos seus caprichos e vontades. Finalmente encontro-me num local onde vejo as árvores e as montanhas, onde ouço os pássaros e sou feliz. Sou tratada pelo nome que sempre preferi... coisa que o meu marido insistia em não cumprir. Ele toda a vida me traiu e agora pode ser livre sem que eu seja obrigada a assistir à felicidade alheia.
-Mas não sente saudades?
-Saudades? ...saudades tinha eu de mim... estar aqui, comigo, fez-me perceber que sou a melhor companhia que posso desejar. Finalmente estou tranquila, sem pensar nos outros e começo a despedir-me de quem fui, a mãe, a esposa, a dona de casa, os sacrifícios para os manter felizes. Sabe há quanto tempo não lia um livro? Não pintavas os lábios, ou ia ao ginásio? Estou feliz aqui, vocês são a minha nova casa e aqui sou eu que tenho necessidades e desejos, vocês são quem eu era antes. Gosto de, pela primeira vez na minha vida, ser o centro das atenções. Vou ficar aqui enquanto viver.
Ser mulher é talvez das mais difíceis tarefas do mundo, não importa a idade, a profissão, a etnia, ou o credo... Ser mãe, ou filha ou esposa, e ao longo da vida ter que desempenhar papeis e cargos implicitamente a ela associados... ser mulher dá o dobro do trabalho de ser homem.
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