Hoje escrevo sobre o facto de algumas pessoas viverem a vida e no final não terem ninguém para compartilhar os seus sofrimentos. É doloroso pensar que mesmo pessoas que foram mães e são avós, vivem os últimos dias sem o conforto de um colo, sem o contato de um familiar. Nesta Unidade existem até ao momento três mulheres que não têm ninguém de familiar como referência. Cujas decisões de enterro e diligências finais couberam aos elementos da equipa. Os nossos três potes de cinza, com histórias, com rosto, com tanto amor para dar. Perguntamo-nos os motivos que levam a este desfecho, que consequências de vida estarão a sofrer, sem julgamentos, apenas com espanto pela impavidez e dura frieza com que o fim de vida as trata. Para nós foram e são importantes, mas é triste e melancólico ser confrontado com esta finitude tão real. Não somos nada... Lembra-te que és cinza e a cinza tornarás...
A minha profissão possibilitou-me estar perto de pessoas em fim de vida, que sofrem doenças crónicas e de famílias exaustas, incapazes de dar mais. Existimos para lhes proporcionar algum suporte e qualidade de vida, nem que seja na morte. E há tanta vida na morte! Tive necessidade emocional de escrever, quer porque temo perder as lembranças, quer porque são demasiado significativas para partirem, comigo, na minha finitude. Aprendi que não se deve antecipar nem atrasar a morte, mas também a vida!