Internada em unidade de cuidados paliativos, doença de foro oncológico. Esposa e mãe de três mulheres. Professora de yoga e meditação. Católica praticante, estava a rezar quando a psicóloga entrou no quarto.
-Desculpe, posso? ( Pergunta a técnica)
-sim, estou a terminar... (Benze-se e de seguida faz o sinal da cruz) pelo sinal da santa cruz, livre-nos Deus Nosso Senhor e aos nossos inimigos.
-Pareceu-me ouvir "e aos", em vez de "dos nossos inimigos".
- Também me ensinaram que era contra os nossos inimigos, mas não me faz sentido, prefiro esta versão.
- e posso perguntar porquê?
-claro que sim. Primeiro por ser católica, acho que devemos querer o bem para o próximo. Depois, porque se eles estiverem bem provavelmente deixarão de implicar ou nos ter como foco de atenção. E, por último, se são verdadeiramente inimigos, de nada serve vence-los por estarem enfraquecidos.
-continue...
-Que serve um inimigo vulnerável e frágil? Se for para nos enfrentar que seja alguém com força e coragem. Dá muito mais gosto quando se vence alguém superior ou ao nosso nível. Ou então também se aceita mais facilmente a derrota, por uma questão de mérito.
-Bom ponto de vista, nunca tinha pensado nisso. Mas tem muitos inimigos?
-Deve haver quem me tome como tal, mas para dizer a verdade eu não considero ninguém assim... Não odeio nem desejo o mal a ninguém, de coração.
(...)
-Você vê sempre o lado positivo- disse a psicóloga.
-Acho que essa é a melhor forma de se levar a vida. De nada servem os rancores e ressentimentos. A culpa deste cancro não foi da vida. Foi de algumas escolhas que fiz e das crenças erradas em que inconscientemente acreditei.
-Como assim?
- Uma vez li que o ser humano é o único capaz de se adoecer a si próprio. As nossas lágrimas de alegria ou tristeza são constituídas por químicos diferentes. É tudo uma questão de controlar os químicos.
-Se fosse assim tão simples...
-Olhe que é. Seja grata, agradeça. Perdoe-se e perdoe os outros. Ame-se e ame os outros. E lembre-se de sentir. Sinta-se a si, ao mundo envolvente, aos 5 sentidos que é uma privilegiada por possuir, às emoções e ao que de mais interior e inconsciente tem. Conecte-se com a sua parte espiritual (não precisa ser uma religião, mas que seja algo de transcendente).
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