segunda-feira, 27 de junho de 2022

Senhora solidão


É de noite, no silêncio na invasão dos pensamentos acendo mais um cigarro. Tornou-se o meu companheiro de insónias, o sopro de prazer nesta tão grande solidão. Está frio e enrolada numa manta vou a varanda... Passa um carro... Ouve-se um cão e o céu tem estrelas... É o meu momento de encontro com o universo, com o sabor do cigarro e as mãos ocupadas fico nesta dormência de um aconchego. Ajuda a passar o tempo, ajuda a que me sinta mais comigo. Faço esta pausa por prazer de um reencontro. Às vezes acompanho com um copo de vinho e parece que o prazer ganha uma luxúria. Sinto-me mais... Mais gente... Mais humana... Mais presente sem me sentir ausente.

Os meus filhos cresceram e já não me lembro da última vez que os vi, as minhas decisões foram erradas porque corri atrás de um amor, que teimava em partir. Hoje estou só, com o meu cigarro e um copo de vinho... Preciso desta "dormência saudável" para me sentir viva, mas que apague a dor de estar só. Talvez inconscientemente me esteja a castigar e a punir. Talvez inconscientemente ache que não tenho valor e o cigarro é uma via rápida para terminar esta dor. É como acelerar na autoestrada pelo prazer de correr riscos, de ser rebelde, de testar os limites do destino, ou de Deus ou do Universo.

M. F. (55 anos) internada numa ULDM com cancro do pulmão e metásteses espalhadas por todo o corpo. Recebeu o diagnóstico já no internamento. Viveu 3 meses, não voltou a fumar, pois encontrou na equipa uma família e um lar. Foi acolhida com muito amor e querida por todos. Na sua morte ficou um silêncio naquela casa. Descansa em paz ❤️

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