terça-feira, 8 de novembro de 2022

As doces palavras.



Há dias estranhos, aqueles em que era suposto tudo dar errado mas no meio do caos surge a esperança. Hoje subi ao internamento e era dia de me dedicar á faturação. Nesta ida fui ficando envolvida numa atividade que me estava a dar alguma satisfação pessoal, (e que já não sentia há alguns meses): o prazer da companhia dos utentes. As suas conversas, a sua energia e a melancolia de não ter tempo para eles. Fui falando e conversando e eis quando a meio de uma troca de poucas frases a D. F. da cama 2 me diz: 

-sabe há gente que nunca devia morrer. E a menina é uma dessas pessoas. O mundo seria melhor com mais gente assim.

-assim como? - perguntei

-Com a sua forma de estar, de falar. Ninguém nos fala assim!

E olhei com olhos de ver, a correria desenfreada dos corredores, a pressa de cumprir horário, de cumprir tarefas. Não era um dia com falta de recursos humanos, mas era um dia em que talvez tenham iniciado mais tarde, perdido algum tempo em assuntos paralelos, era quase hora do almoço... O telefone portátil do serviço tocava e ninguém atendia, estavam 3 pares de funcionárias a tratar do serviço e falavam entre elas de assuntos quotidianos do dia a dia... Não olhavam para os utentes, não conversavam com eles, conversavam entre duplas. 

Acho que ela sentiu a minha saudade, a minha vontade de estar ali por eles, de os ouvir, de ser a psicóloga para que fui contratada e não tudo o resto. 

Mas também eu já fiz dias a correr, quase sem os ver. Há alturas em que estamos tão deslocadas que não nos apercebemos do redor. Não acredito que as pessoas sejam mal intencionadas, acho que foi preciso eu estar afastada para estar mais próxima. E faz toda a diferença na forma como percecionam a nossa atenção. Gratidão 🙏


domingo, 6 de novembro de 2022

Nem 8 nem 80....


Percebi esta semana que nos podemos interligar ao sofrimento sem nos deixarmos ser consumidas por ele. A compaixão. Sentir empatia com o sofrimento, mas ter a capacidade de sair dele e vê-lo como algo externo a nós próprios. 
Em cada morte e história que escrevo, revia, em parte, os meus lutos, as minhas dores. Na maioria dos textos, o luto de um amor que terminou, mas me marcou... talvez para sempre. Revivia nestas vivências o sentimento da perda e do sofrimento que ainda restava. 

Percebo que são textos pesados e provavelmente aborrecidos para quem os lê com um outro olhar, de quem não viveu os meus passos... Também percebo que foram pequenos passos, que nunca dei o salto desejado para algo maior. 

"-Tens a dor, tens a reflexão sobre ela e a passividade de um conformismo atroz. O que vais fazer com o que sentes? Vais viver ou existir?" 

Percebi agora, que estas dores, só doíam em mim, porque a ferida estava aberta. 

Percebi que é preciso cuidar de mim, ter autocuidado e autocompaixão. E sigo as palavras da filosofia hoponopono:

"-Eu sinto muito, eu me amo, me perdoo, sou grata".

Juntei as coisas que tinha nossas (quis a vida que as tivesse que juntar) e li, revi, chorei, sofri. No fim queimei o que ia fora e guardei apenas pedaços bons da saudade. Da taça com cinzas enterrei-as num vaso e plantei umas sementes. Enviei todo o amor e gratidão e sei que irão brotar bons frutos. Agradeci e acho que fiz o ritual necessário para a catarse. 

Das histórias de perda e morte do trabalho percebi que o limite é o respeito pelo outro e que a compaixão me permite manter a minha sanidade mental.

Estou a uns passos do que era... continuo a caminhar... E sinceramente espero nunca me tornar indiferente ao sofrimento do próximo, separando entre o que é meu e o que é externo. Sentir com ele e nunca por ele.