A minha profissão possibilitou-me estar perto de pessoas em fim de vida, que sofrem doenças crónicas e de famílias exaustas, incapazes de dar mais. Existimos para lhes proporcionar algum suporte e qualidade de vida, nem que seja na morte. E há tanta vida na morte! Tive necessidade emocional de escrever, quer porque temo perder as lembranças, quer porque são demasiado significativas para partirem, comigo, na minha finitude. Aprendi que não se deve antecipar nem atrasar a morte, mas também a vida!
quinta-feira, 15 de junho de 2017
José, 75 anos.
Cancro do intestino, diagnosticado há 5 anos. Internado num estabelecimento residencial para idosos (ERPI), vulgarmente designado por Lar. Colostomizado, dependente total e a necessitar gradualmente de maiores cuidados de enfermagem.
Homem de intervenção, desde cedo envolvido em política, corporação de bombeiros e com um trabalho que adorava. Era electricista, responsável pelas primeiras iluminações daquela povoação. Costumava dizer que era conhecido por levar a luz às pessoas. E sim era uma pessoa de luz, que nos conquistava, sem percebermos bem o porquê.
A esposa, dedicada, vivia em função dele. Passava o maior número de horas possíveis ao seu lado, mesmo enquanto ele dormia, ela lá permanecia. Dizia-se que cumpria, ali, centro de dia.
As rotinas dos profissionais começaram a fazer parte das suas, usava os procedimentos de desinfecção e já sabia, diariamente, os produtos que eram usados e os hábitos de cada um. Percebendo que quem lá trabalhava usava socas, ela comprou umas pantufas que apenas usava ali. À chegada, ainda na entrada, trocava os seus sapatos pelas pantufas e seguia para o seu turno de esposa presente, que desempenhava como ninguém. Este casal era a personificação dos votos matrimoniais, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe”…
O carinho que aquela família transmitia e a união que tinham, era algo intenso. Sentia-se com os poros da pele, a necessidade que tinham de estar juntos, cada um, individualmente, era forte… mas juntos… era como se deixassem as máscaras cair e ficavam frágeis, como se ao entrar... ali no quarto... e nos braços do pai, voltassem a ser crianças. Ele tinha o poder de iluminar o que de mais genuíno existia em nós (não fosse ele electricista). Uma vez disse-me gostar do meu casaco amarelo, que sempre que o usasse me permitisse ser feliz. Pois de nada servia vestir uma cor animada quando se tem a alma apagada.
Ele era um líder e foi, até ao fim, um resistente…. não deve ser fácil deixar para trás tanto amor.
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