Viúvo e com “mau feitio”. Internado num hospital, após queda em casa, encontrado por vizinhos, no dia seguinte.
Recusou tratamentos, nunca tomou a medicação, refugiou-se no álcool. Em casa comia o que queria e nunca se orientou por um relógio ou televisão.
Apresentava sempre um discurso revoltado e era definido como agressivo. Nunca queria nada e recusava tudo o que lhe era oferecido para melhoria da sua saúde e qualidade de vida. Quando abordado começou por dizer que nunca iria comer a sopa porque há mais de 40 anos que não comia sopa, sempre a detestou. Foi-lhe perguntada a sua preferência alimentar ao que ele respondeu que ninguém cozinhava como a mulher dele. Pedi-lhe que me falasse nela e ele disse que não lhe apetecia falar, estava farto de gente que fala. Perguntei a alternativa, visto que não tinha forma de lhe adivinhar os pensamentos. Ao que após sorrir disse:
-Sabe, aqui ninguém quer saber os meus pensamentos. Todos me dizem o que é melhor para mim, mas só eu é que sei. Falam na qualidade de vida mas isto já não é vida.
-Mas tem dores?
-Não. Eu só quero sair daqui.
-Mas você em casa sozinho não está bem, vê como caiu.
-Se a menina doutora tivesse bebido o mesmo que eu, também não se aguentava em pé. E as minhas pernas não têm nada, são rijas como troncos (batendo com a mão em punho nas pernas).
-Mas você se for para uma unidade podem cuidar de si.
-Mas é isso, eu não quero ser cuidado, nem salvo. Todos os dias peço à minha mulher que me leve e desde que aqui estou nem isso posso fazer.
-Não pode?
-Não, porque ela morreu em casa … e é lá que está. É lá que me espera.
-Há alguma coisa que eu possa fazer por si? Que o ajude?
-Sabe cozinhar?
Acenei que sim
-Faça-me um prato de Bacalhau à Brás.
E assim foi, nessa noite comeu o bacalhau, após a colaboração de toda a equipa de serviço.
Faleceu 2 dias depois, no Hospital (a esposa sabia o caminho).
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